O fato de o Brasil estar em vias de novamente ratificar a Convenção número 158 da Organização Mundial do Trabalho, órgão ligado à Organização das Nações Unidas, traz à baila um delicado e complicado assunto o qual este subscritor vulgarmente costumo chamar de SÍNDROME DA CUECA VIRADA.
Primeiramente, cumpre esclarecer do que se trata a Convenção número 158 da Organização Mundial do Trabalho. A retro mencionada Convenção é uma norma e possui natureza jurídica de Tratado Internacional. Trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e dentre outras coisas assevera que o trabalhador não poderá sofrer dispensa sem motivação. Limita o direito do empregador de dispensar o empregado, exigindo que a eventual dispensa seja justificada, todavia não se traduz em estabilidade absoluta.
Em segundo lugar, é imperioso ressaltar que não se trata de nenhuma inovação no mundo jurídico e que a mesma data do ano de 1982 e durante um certo período chegou a ser ratificada pelo Brasil. Entretanto, em 1996, o então Presidente da República e sociólogo aluno da renomada Sourbone, Senhor Fernando Henrique Cardoso, entendeu por melhor formalizar a denúncia da Convenção, ou seja, determinou que a mesma não teria validade para trabalhadores brasileiros. Imperioso ainda salientar que a Convenção número 158 da Organização Mundial do Trabalho atualmente é aplicada em mais de trinta países onde funciona como uma espécie de modelo geral para a defesa da dignidade do trabalhador.
Mas voltando à SÍNDROME DA CUECA VIRADA, acredito ser este um mal que aflige a maioria dos trabalhadores brasileiros. É fato notório que em outros países a média de tempo de trabalho em uma empresa ultrapassa décadas, todavia no Brasil, esta média não chega a dois anos. Tudo em virtude da já mencionada SÍNDROME DA CUECA VIRADA, ou seja, salvo raríssimas exceções, basta que o empresário ou ainda o superior imediato do trabalhador acorde de cueca virada para que o mesmo demita o primeiro subordinado que aparecer na frente sem um motivo plausível, fazendo com que a taxa de rotatividade dos trabalhadores das empresas brasileiras seja uma das mais elevadas do mundo.
A SÍNDROME DA CUECA VIRADA simplesmente faz com que a maioria dos trabalhadores brasileiros viva " pisando em ovos ", sem saber se será o próximo a integrar o amplo universo de desempregados brasileiros e conseqüentemente faz que o mesmo trabalhador se sujeite aos mandos e desmandos dos empresários ou de seus prepostos, para depois, uma vez finalmente rescindido o Contrato de Trabalho, bater às portas da já abarbada Justiça do Trabalho, sujeitando-se a aceitar um ínfimo acordo ou aguardar por vários anos uma decisão passada em julgado, passível de uma execução na maioria das vezes frustrada.
É muito cômoda a postura adotada pela maioria do empresariado brasileiro, no tocante aos argumentos que a carga tributária brasileira é estratosférica e que os trabalhadores brasileiros possuem uma infinita gama de direitos, contudo, o fato é que ao optar por ter um negócio próprio, o empresariado tem meios suficientes para saber exatamente o quanto irá pagar de tributos e quais os direitos trabalhistas que esta ou aquela determinada categoria faz jus.
Optar por ter um negócio próprio, ou seja, não se sujeitar a ser subordinado a ninguém pressupõe assumir riscos que devem ser considerados. Optar por ser patrão e depois querer atribuir a culpa pelas posturas adotadas de forma equivocada ao Estado e aos trabalhadores é no mínimo um disparate. O Estado e os trabalhadores não podem e nem devem arcar com este ônus.
Entendo que a ratificação da Convenção número 158 da Organização Internacional do Trabalho deve ser bem acolhida e terá como objetivo primordial coibir a SÍNDROME DA CUECA VIRADA, tão comum na maioria das empresas brasileiras, pois o trabalhador não deve ser visto pelo empregador apenas como um simples locador da sua força de trabalho, nem o empregador deve ser visto pelo empregado como um algoz. Um meio ambiente de trabalho salutar, onde empregador e empregado sejam sujeitos de direitos e obrigações mútuas, contribui sensivelmente para uma melhor imagem da Empresa perante a sociedade, fornecedores, consumidores e demais trabalhadores, gerando inclusive um aumento da produtividade.
A eventual ratificação da Convenção número 158 da Organização Internacional do Trabalho pelo Brasil significará que o empregador deverá contratar melhor, uma vez que terá maiores dificuldades em dispensar o trabalhador. Conseqüentemente, obrigará o trabalhador a se reciclar, uma vez que as empresas não contratarão qualquer pessoa, sabendo que posteriormente terão mais dificuldades para rescindir o Contrato de Trabalho de forma unilateral.
EDUARDO PRADO SIQUEIRA
Advogado.